NOVA YORK — Em laboratórios discretos e clínicas experimentais nos Estados Unidos, Canadá e Israel, uma nova fronteira no tratamento do autismo infantil começa a se delinear — uma fronteira que, há poucos anos, seria considerada tabu: os cogumelos psilocibinos, especificamente o Psilocybe cubensis, popularmente conhecidos como “cogumelos mágicos”.
Tradicionalmente associados a experiências psicodélicas da contracultura dos anos 1960, esses fungos estão ganhando espaço no universo da neurociência e da psiquiatria moderna. No centro do debate está uma pergunta poderosa e delicada: poderiam os compostos psicoativos da psilocibina, administrados em microdoses e sob rigoroso controle clínico, ajudar crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) a experimentar uma melhor qualidade de vida?
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Uma Nova Perspectiva Científica
O avanço da psicofarmacologia e a reabilitação científica dos psicodélicos — acelerada por estudos promissores sobre depressão resistente, TEPT e ansiedade terminal — abriram espaço para investigações ousadas. Nos últimos cinco anos, pequenas mas significativas pesquisas começaram a avaliar os efeitos da psilocibina em autistas adultos, com resultados encorajadores: aumento da empatia emocional, diminuição da rigidez cognitiva, redução da ansiedade social e melhora na autorregulação emocional.
Esses benefícios chamaram a atenção de pais e cientistas que enfrentam os desafios do autismo em sua forma mais complexa: na infância.
Autismo Infantil e a Busca por Alternativas
O Transtorno do Espectro Autista afeta 1 em cada 36 crianças nos Estados Unidos, de acordo com o CDC. Embora intervenções comportamentais e medicamentos convencionais (como antipsicóticos) sejam amplamente utilizados, muitos pais relatam efeitos colaterais significativos e benefícios limitados.
É nesse cenário que surgem os primeiros protocolos experimentais de microdosagem de psilocibina — quantidades tão pequenas que não provocam alucinações, mas podem modular a plasticidade cerebral e a conectividade neural.
Estudos Pioneiros: O que Já Foi Feito
Um dos projetos mais avançados está sendo conduzido por uma equipe interdisciplinar da Universidade de Tel Aviv, em parceria com o Instituto Multidisciplinar de Psicodélicos de Israel (IMPI). Em estudos pré-clínicos com modelos animais, observou-se que microdoses de psilocibina administradas em filhotes de roedores com comportamento autista induzido promoveram maior sociabilidade, flexibilidade comportamental e respostas menos ansiosas a estímulos sensoriais.
Nos Estados Unidos, o MAPS (Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies) iniciou em 2023 um protocolo de estudo de viabilidade e segurança com um pequeno grupo de adolescentes entre 13 e 17 anos com TEA de grau leve, acompanhados por terapeutas especializados e com consentimento dos pais. Embora os resultados completos ainda não tenham sido publicados, os relatos preliminares incluem:
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Melhoria na comunicação verbal e não-verbal
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Diminuição de estereotipias motoras
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Aumento da interação social com familiares e colegas
“Esses primeiros sinais indicam que estamos diante de uma ferramenta que, se utilizada com extremo cuidado e acompanhamento terapêutico, pode oferecer algo que os pais buscam há décadas: alívio para os sintomas invisíveis do autismo”, afirma a Dra. Rachel Weitzman, psiquiatra da infância e uma das coordenadoras do projeto.
Os Riscos e a Responsabilidade
Especialistas alertam que a empolgação precisa ser temperada com prudência. Não há, até o momento, aprovação do FDA ou de qualquer agência reguladora para o uso de psilocibina em crianças. Além disso, os efeitos da substância em cérebros em desenvolvimento são ainda pouco compreendidos.
“Estamos lidando com uma neuroquímica delicada”, afirma o neurologista Dr. Stephen Lin, da Universidade de Columbia. “A neuroplasticidade infantil é uma faca de dois gumes. Pode se beneficiar enormemente, mas também ser prejudicada se não houver um controle rigoroso dos protocolos, da dosagem e do contexto terapêutico.”
Esperança Cautelosa para o Futuro
Mesmo diante das limitações, milhares de famílias em todo o mundo seguem acompanhando os avanços com atenção — e, em alguns casos, buscando alternativas fora dos circuitos regulatórios, o que levanta questões éticas e jurídicas.
Organizações como a Autism Psychedelic Support Alliance, formada por pais, terapeutas e pesquisadores, defendem a criação de estudos clínicos ampliados com foco em segurança e eficácia. Seu lema é claro: “Não estamos buscando cura, mas alívio. E toda criança merece isso.”
Enquanto o debate se intensifica e novos estudos se iniciam em 2025 no Canadá e no Brasil, uma coisa é certa: os cogumelos mágicos deixaram de ser apenas símbolo de contracultura — e podem, em breve, ocupar um lugar na ciência que busca restaurar conexões humanas onde antes havia isolamento.
Nota ao Leitor: Este artigo não recomenda o uso recreativo ou não supervisionado de substâncias psicoativas. A psilocibina continua sendo uma substância controlada em diversos países e só deve ser utilizada em contextos clínicos regulamentados.